
Isabella Stephan
Braveza - #todasegundatempoesia
Atualizado: 29 de ago. de 2018

O versinho é meu, mas a fala foi de um menino de oito anos. Cabelos negros e cacheados.
Ele havia chegado no consultório do local aonde eu trabalhava - um serviço de atendimento às vítimas de violência em um hospital público de uma comunidade nos arredores de Brasília - tímido à beça.
Eu não me esqueço da doçura daquele menino.
Ele tinha um pai igualmente doce e presente. Uma mãe cabreira, sossegada, introspectiva.
E na vidinha daquele menino havia acontecido uma situação de violência sexual.
Ao contrário do que pensam, os pais eram muito protetivos. O pai, principalmente.
A mãe, na época se encarregava dos cuidados da irmãzinha mais nova, também de cabelos pretinhos e cacheados. Bochechas grandes.
Achei de uma riqueza sem fim a descrição desse menino sobre esse sentimento que nos invade tantas vezes. Ele tinha razão - toda a razão do mundo - para sentir o que sentia! Sempre temos razão para sentir o que sentimos. Penso nos sentimentos como sinais de auto-cuidado e auto-proteção. Eles sempre querem nos dizer algo. Principalmente, os não tão agradáveis de sentir.
Ele chegou lá no serviço e foi acolhido e recebido com muito carinho por mim e pela psicóloga do serviço. Teve consultas em pediatria. Teve encontros com outras crianças com vivências parecidas. Foi inserido em uma rede de proteção na sua comunidade, ainda maior.
E espaços para a resiliência foram criados.
Ele adorava desenhar. Ele aprendeu a falar sobre os sentimentos que tinha. Encontrou canais que o auxiliaram a colocar pra fora o que sentia.
Em situações de abuso e trauma: medo, raiva, culpa, tristeza, vergonha e nojo são sentimentos extremamente frequentes.
Quando lembro daquele menino e do trabalho que fazíamos ali naquele espaço insalubre mas cheio de amor, penso no quanto a arte é um canal maravilhoso para o ressignificar de tais vivências.
Naquele consultório, enquanto trabalhamos ali, a gente acreditava que era possível transformar vidas por meio do acolhimento, da escuta.
Eles ressignificavam suas vivências mas a gente é que tinha os maiores aprendizados da vida.
Olha o aprendizado que esse menino me trouxe! E que agora está levando até você...
Com sorriso, abraço e falas poéticas como essa, ele ia aprendendo a se curar. Transformando o trauma vivido em expressividade e auto-transformação.
A arte cuida, cura e salva.
Esse post é dedicado à minha amiga Ana Carolina. Com quem partilhei momentos de angústia e crescimento. Já não estamos mais lá. Mas os espaços que criamos ali, amiga, ficarão guardados na vida dessas crianças e famílias para sempre.